Sem Título - Oficina Colaborativa do Estranho Mundo - 3º Desafio
Pra esse desafio vou fazer um pouco diferente, por que o prompt é bem grande. O Eric escolheu entre 15 e 20 parágrafos que foram enviados pra ele como resposta ao Segundo Desafio e pediu que escolhêssemos um para continuar a história. Pediu também um plot twist caprichado, inspirado por essa imagem:
Só seguir o link para ler meu conto. ;)
Ela o deixou morrendo na cozinha e foi olhar as fotos na
estante. Uma linha do tempo traçada na prateleira com momentos pinçados de sua
vida. O casamento, as meninas pequenas, viagens a lugares esquecidos, as
meninas já crescidas. Percebeu que o sorriso da noite do casamento não se
repetia, ao contrário, vinha decrescendo com os anos, como se o rosto fosse
perdendo aquela memória. Chico não aparecia em nenhuma das fotos. Ele odiava
fotografias. Odiava sorrir para câmeras. E Chico não fazia nada que não quisesse.
Ela tinha aceitado isso com relativa paciência até aquela noite, até alguns minutos atrás.
Mas o tempo come a paciência dos viventes . E ela já não tinha mais nenhuma.
Não foi uma decisão fácil. Mas o ato em si
foi simples, um pequeno movimento e, pronto, estava tudo encaminhado.
Marta olhou as fotos e suspirou. As meninas
viriam mais tarde, pro jantar.Hora de limpar tudo, ajeitar a casa, preparar a comida. Estava com muita saudade delas e mal via a hora de
abraçá-las novamente.
Quando as visitas chegaram, a casa estava impecável.
Nada transparecia o ocorrido na madrugada anterior.
- Oi, Mãe, que saudade! - Clara tinha o
abraço mais apertado do mundo; quente, carinhoso. - A Aninha mandou mensagem
dizendo que já chega.
Ana chegou em seguida, toda sorrisos, a
cabeça raspada de quem acabou de entrar na vida adulta. Marta sorriu. Faltava
pouco pro trabalho dela estar concluído. As três se abraçaram, se beijaram,
acariciaram as mãos umas das outras, as bochechas.
- Podem sentar à mesa, meninas. Só não entrem
na cozinha não, tá uma bagunça. Eu estava fazendo linguiça . Vocês sabem, sem desperdício.
- E o pai? Como é que foi? - Ana perguntou ao
se sentar à mesa.
- Ah, Ana, seu pai é teimoso. Você sabe. Não
queria beber o café, depois não queria resolver sozinho. E o tempo passando. Eu
disse pra ele que não era justo isso, não era justo. Ele sabia o que ia
acontecer. Se não quisesse, não casasse, não tivesse filhos.
- Puxa, mãe... Mas ele brigou?
- Brigou. Mas a mamãe é esperta, né. Eu disse
que ia primeiro, ele se acalmou e sentou, bem tranquilo lá na cozinha. Aí,
vupt! Foi um corte só. Fez uma bagunça danada, mas pelo menos sobrou um pouco
pra fazer molho pardo.
- Puxa, mãe, molho pardo? Brigada! - Clara
sorriu. - Ninguém que eu conheço comeu molho pardo na vida!
- Eu vou deixar a receita, não se preocupa.
Ano que vem você faz de novo. E vocês vão levar o resto, tá? Eu já não tenho
mais apetite pra carne faz uns dez anos...
- Mãe, posso te perguntar uma coisa?
- Fala, Clara. Eu vou servir a janta. - Marta
foi pra cozinha e suspirou, olhando pra bagunça. Pelo menos o jantar estava
pronto.
- É bem íntimo, mãe. Uma daquelas coisas que
é feio perguntar, sabe?
- Você está fazendo dezoito anos hoje,
querida. Pode perguntar tudo. - Marta foi trazendo os pratos um por um,
cuidadosamente.
- Você é de antes do Alerta, mãe?
- Não, filha, eu sou da terceira geração
depois do Alerta. Primeiro veio o Alerta, depois veio a época realmente
difícil. Era muita gente, faltava comida, faltava espaço, sobrava tempo de vida.
Quando eu nasci, já estava melhor. O governo já tinha estipulado o tempo limite
de vida, mas não sabiam o que fazer com os corpos. A escassez ditou o reuso. Não é muito, mas alimentar vocês já ajuda um
cadinho, sabe como é.
Clara olhou para o ensopado com um olhar
distante. Ana parecia feliz, mas ela provavelmente estava pensando no trabalho.
- Ano que vem sou eu. - Marta continuou. -
Vocês sabem o que fazer, meninas. Não precisa ter medo, nem ficar triste não. Faz parte da
vida.
Comentários
Postar um comentário