Brother

Agosto de 2017

A rua era escura e estreita; eu seguia na companhia das estrelas e dos ratos. Meus pés se arrastavam, a sola fazendo um leve som de reco reco nos paralelepípedos. Eu estava cansada, exausta, a arma pesando na minha mão direita. As chaves no meu bolso ecoavam um pandeiro inexistente e no peito, meu coração batia, fraco, marcando o tempo pra canção da minha dor.


Eu já não tinha muito controle do meu corpo e menos ainda do que iria acontecer.

Som ante som eu me arrastava pelas ruas sujas da cidade, meus olhos injetados da falta de sono, minha alma quebrada da falta de esperança e meu corpo crivado de balas.

No fim da rua, brilhando como um farol na escuridão, uma igrejinha branca. Em cima dela uma cruz flamejante, tremeluzindo no céu.

A madeira áspera se abriu levemente com o toque da minha mão; as dobradiças gemeram junto comigo. Estava mais fresco dentro da igreja do que na noite lá fora, um pequeno alívio. Respeitosamente deixei a arma no banco próximo do altar e me ajoelhei, pressionando o buraco de bala na altura da minha costela. Com o descanso, comecei a sentir o desconforto; a camisa empapada de sangue, o suor, minhas calças molhadas do esgoto e as lágrimas escorrendo pelo meu rosto, hidratando o salpicado de sangue seco nas minhas bochechas, deixando um gosto salgado na minha boca.

O moço saiu da portinhola na parede do altar. Elegante, mesmo no morto da madrugada, as calças pretas vincadas, a camisa impecável. Eu sempre tinha vontade de sorrir quando ele aparecia, a pele escura da cor dos seixos de rio, o colarinho perfeitamente branco quase uma ofensa ao universo.

- Meu deus do céu. - Ele sussurrou ao ver o meu estado. - Você conseguiu.

- Eles tinham mais armas, Padre, mas eu tinha mais ódio.

Ele riu, daquele jeito dele que sempre me faz achar que eu não faço mal em nutrir esperança.

- Ah, Menina. - A mão dele deslizou pelo meu cabelo molhado de suor e sangue. Eu fechei os olhos e me inclinei. As mãos hábeis do padre me guiaram até o chão, me deitaram, reta.

- Dá jeito, Padre?

- Não sei, minha filha, não sei. - Ele se afastou e eu abri os olhos. Ele estava trancando a porta da igreja e trazendo a maleta de “primeiros socorros”. Percebi que estava deitada na frente do altar, meu corpo paralelo à mesa. Quis rir da ironia de me ver rendida diante do Deus de madeira, como se oferta eu fosse. Sacrifício.

- Você precisa parar de fazer isso, menina. - Ele disse, colocando a bacia de água do meu lado, a tão conhecida maleta preta por perto.

- Nem o poder nem a lei são páreo pro meu ódio, padre. Só vou parar de lutar pra proteger essa gente quando eu morrer. - Vi o rosto dele perto do meu, antes dele começar a rasgar a minha camisa.

- Saiba que esse dia pode bem ser hoje. - Ele disse, o cenho franzido e um ar sombrio, as mãos grandes levantando meus seios pra atender um dos ferimentos.

- Então prepara mais um caminho feliz em direção ao Senhor, meu irmão. Com muito amor e muitas flores... E música. E música.

Fechei os olhos e me deixei acolher pela terra.


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