Música

Para a Oficina ELFA (Escritores de Literatura Fantástica e Associados). Abril de 2017.

São onze e cinquenta e oito, o metrô já vai fechar. Acabei de acordar, na arrancada de saída da estação de Botafogo... Eu acho o Metrô uma coisa meio estranha... Pra começar, as janelas são assustadoras, por conta da pouca luz, que ainda por cima pisca enquanto essa cobra metálica corre pelas entranhas do Rio de Janeiro, o povo sentado na barriga.


Sem contar com o barulho altíssimo que a composição faz... Já estamos em 2017, a tecnologia devia ser mais silenciosa, não? E as paradas estranhas, o condutor dizendo que estava aguardando a liberação da sinalização.

Mas os três minutos entre estações viram quatro, viram cinco e viram dez, e a composição não chega na Cardeal Arcoverde. Comecei a entrar em pânico. Será que estavam levando a composição para o depósito? Como é que eu sairia de lá? Levanto e corro até o botão de emergência. Enquanto eu puxo a placa de acrílico que cobria o fone, os alto falantes tocam suavemente.

“Estação Entremundos. Saída pelo lado esquerdo. Atenção para o vão entre o trem e a plataforma.”

Me movo até a porta, que se abre silenciosamente. Um monte de gente entra no vagão, conversando, esbarrando nos meus ombros. Um passou através de mim, para meu susto. Fico imóvel, chocada. De dentro do vagão eu consigo ouvir um blues maravilhoso, voz, gaita e violão.

Uma velhinha, parada na minha frente, sorri e me estende a mão.

— Ô minha filha, me ajuda, faz favor. — Estendo a mão pra ela; com cuidado, ela entra no vagão e bate no meu ombro. — As Lâmpades cantam bonito, né? Distrai. E elas não param, onde quer que elas estejam, tem cantoria, tem gente dançando... Ainda bem que o trem faz barulho, senão o pessoal da superfície ia ouvir elas cantando e ia acabar batendo a composição, ia ser o caos.

Sorri, confusa. As portas demoram a fechar e eu coloco a cabeça para fora, para olhar. A estação era toda branca. Luxuosíssima, era toda mármore e pedra, iluminada pelo que pareciam ser velas, ou lâmpadas que lembravam velas.

— Eu adoro as ninfas, mas elas sempre badernam tudo mesmo. É muita festa, muita alegria, sabe? O pessoal da superfície tá arranjando briga, fazendo guerra, sujando tudo... Que motivo tem pra essa alegria toda? Pelos deuses!

Eu olhei para ela, depois para o chão, sem entender muito.

— E essa Equidna, que sempre fica dormindo na porta da estação? Sempre atrasa o trem! Se o pessoal reclamasse pra Hera, não tinha isso, não é? — A velha olhava para mim, como se esperasse uma resposta. Depois ela me olha com o olhar de quem entendeu tudo. — Tu não é daqui, né?

— Sou não.

— Então prepara as moedas pra pagar, filha. Não salta não, que o Caronte fala contigo lá na Estação Hades.

Sentei de novo, estarrecida. Um grupo de meninas em vestidos floridos começa a cantar dentro do vagão. A velha bate no meu joelho. As ninfas continuam cantando.

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