No dia que a poesia se arrebenta...
Para a Oficina ELFA (Escritores de Literatura Fantástica e Associados). Março de 2017.
É aquilo. Você chega pra alguém abandonado pelo estado, que paga uma carga pesada de impostos e diz que imposto é roubo. Claro que convence. Convence que é o estado o bicho papão. E a gente achando que eram os ricos, né?
Vai-se o imposto, vêm as corporações e em vez de pagar o imposto, a gente passou a pagar separadamente cada serviço. Foi quando a gente se deu conta de que quem é pobre não dá lucro. Se não tem lucro, pra quê dar o serviço?
Protestamos. Tomamos borrachada da polícia enquanto tinha polícia. Depois aquelas pessoas foram contratadas pelas milícias corporativas e dependendo de onde a gente protestava a gente tomava borrachada de gente diferente.
Passou um esperto, lembrou que é nós por nós. Voltamos pra cima do morro, nos organizamos. Foi uma época terrível, faltava tudo. Muita gente desceu, muita gente sumiu, muita gente se foi. Mas as épocas brabas passam, quem é forte fica.
A paz não durou muito. Se a gente não compra do asfalto, não trabalha no asfalto, não da lucro pro asfalto, de que a gente serve? A gente só enfeia as encostas. Causa desmoronamento. Suja tudo. E agora que não tem estado, não tem polícia pra impedir os filhos da puta de subir e tirar a gente daqui?
Não deu outra. No início era só na borda do asfalto. Barreira, bloqueio. Quem trabalhava no asfalto ralou peito. Foi se arranjar em outro lugar. Chegaram as notícias que o São João foi arrasado. Morro dos Macacos também. Não sobrou prédio em pé. Não saiu na TV, no Jornal, não deu nada.
Se fizeram isso com eles, imagina com a gente, que tem essa vista? Que ocupa o coração do território deles? A galera ficou de cara, começou a se organizar.
A gente descobriu rapidinho que São João e Macacos foi um teste. Tentaram atacar outros morros da Zona Sul, mas a gente é foda. Conseguiu resistir. Na unha, no dente. Tiro, porrada e bomba. Quando um morro cai, quem consegue escapar e ainda quer brigar se junta aos outros. Talvez a gente consiga ficar aqui. É questão de honra nessa altura do campeonato.
Por isso que você tá aprendendo a mexer no fuzil. Espero que você não precise, mas eu quero que você tenha alguma chance de sobrevivência se der alguma merda antes de eu conseguir te mandar pra tua tia. Eu preciso ficar e ajudar a galera. Pega o pano ali, bora começar... Vamos cantar aquela música que você gosta...
“Minha mãe descia o morro já cantando assim... Se quer lutar, vem atrás de mim!”
É aquilo. Você chega pra alguém abandonado pelo estado, que paga uma carga pesada de impostos e diz que imposto é roubo. Claro que convence. Convence que é o estado o bicho papão. E a gente achando que eram os ricos, né?
Vai-se o imposto, vêm as corporações e em vez de pagar o imposto, a gente passou a pagar separadamente cada serviço. Foi quando a gente se deu conta de que quem é pobre não dá lucro. Se não tem lucro, pra quê dar o serviço?
Protestamos. Tomamos borrachada da polícia enquanto tinha polícia. Depois aquelas pessoas foram contratadas pelas milícias corporativas e dependendo de onde a gente protestava a gente tomava borrachada de gente diferente.
Passou um esperto, lembrou que é nós por nós. Voltamos pra cima do morro, nos organizamos. Foi uma época terrível, faltava tudo. Muita gente desceu, muita gente sumiu, muita gente se foi. Mas as épocas brabas passam, quem é forte fica.
A paz não durou muito. Se a gente não compra do asfalto, não trabalha no asfalto, não da lucro pro asfalto, de que a gente serve? A gente só enfeia as encostas. Causa desmoronamento. Suja tudo. E agora que não tem estado, não tem polícia pra impedir os filhos da puta de subir e tirar a gente daqui?
Não deu outra. No início era só na borda do asfalto. Barreira, bloqueio. Quem trabalhava no asfalto ralou peito. Foi se arranjar em outro lugar. Chegaram as notícias que o São João foi arrasado. Morro dos Macacos também. Não sobrou prédio em pé. Não saiu na TV, no Jornal, não deu nada.
Se fizeram isso com eles, imagina com a gente, que tem essa vista? Que ocupa o coração do território deles? A galera ficou de cara, começou a se organizar.
A gente descobriu rapidinho que São João e Macacos foi um teste. Tentaram atacar outros morros da Zona Sul, mas a gente é foda. Conseguiu resistir. Na unha, no dente. Tiro, porrada e bomba. Quando um morro cai, quem consegue escapar e ainda quer brigar se junta aos outros. Talvez a gente consiga ficar aqui. É questão de honra nessa altura do campeonato.
Por isso que você tá aprendendo a mexer no fuzil. Espero que você não precise, mas eu quero que você tenha alguma chance de sobrevivência se der alguma merda antes de eu conseguir te mandar pra tua tia. Eu preciso ficar e ajudar a galera. Pega o pano ali, bora começar... Vamos cantar aquela música que você gosta...
“Minha mãe descia o morro já cantando assim... Se quer lutar, vem atrás de mim!”
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