Cidade dos Sonhos

Dezembro de 2016.


Já era dia quando eu acordei, abraçada nele. Estava quente, mas eu não tinha a menor vontade de me mexer... Coloquei a cabeça no ombro dele e suspirei, uma das minhas mãos acariciando o peito e a barriga de leve.

Hora de desfazer o abraço, mas era difícil de soltar aquele calor convidativo, difícil desfazer o encaixe que parecia tão perfeito.

— Acordou?

— Hmmmn. — Resmunguei. Ele riu e eu acabei rindo. — Deixa que eu vou fazer o café.


— Relaxe. — O braço dele que estava a minha volta me apertou, restringindo meus movimentos.

— Não, não. Isso tá bom demais pra ter um bom final.

— Foi você que me abraçou agora de manhã. — Ele riu, a mão se mexendo sobre as minhas costas, acariciando. — Confie em mim, não vamos fazer nada demais.

-- Em você eu confio. Eu não confio é em mim.

— Deixe disso. Nós dois sabemos que nada vai acontecer.

Eu queria acreditar nisso. Queria ter a calma dele, acreditar que nada ia acontecer. Com certeza a profecia da Cidade dos Sonhos cumpria seu papel de desencorajar a progressão dos meus sentimentos, mas... Tendo encostado nele, tendo dormido com ele, dividido uma cama, um abraço... Agora era mais difícil de controlar a ebulição de desejo dentro do meu peito.

Lembrei da minha mãe sussurrando as palavras da profecia na minha orelha, estremeci. As mãos dele continuaram se movendo, apertando, deslizando, obrigando a sensação ruim a ir embora.

— No que você estava pensando? — Ele perguntou, se virando pra mim, encostando a testa na minha. A posição me obrigou a colar o corpo todo no dele.

— Na profecia. No quanto isso tudo é injusto. Nessa coisa de escolher a nossa lealdade sem saber o que vem pela frente. E nem escolhemos, né? No fim das contas é só o que a gente acha que vai ser melhor. E aí você jura lealdade à sua linhagem, eu à guarda, anos passam... Um acaso nos une. E a profecia nos separa.

Ele beija a minha testa em silêncio. Eu falo demais, nessas horas. Ele tem esse efeito em mim, me desata os nós, derruba as barreiras, os filtros. Depois eu me arrependo, acho que nunca mais vou vê-lo, por que rompi algum limite desconhecido. Eu, que treinei tantos anos pra me manter tranquila, calma, pra manter minha cabeça fria em todas as horas, ponderar as decisões com cuidado... Que mantive meu coração fechado com tanto cuidado... Assim, desfeita por um toque, por um sorriso.

— Ouvi dizer que as coisas são como são pra nos preparar pro nosso caminho. Quem vê a tapeçaria do destino entende o desenho, mas a verdade é que nenhum fio estaria onde está se não tivesse sido guiado até ali. — Ele disse, suavemente. — A profecia nos mantém honestos... Ela nos ajuda a entender o que é realmente importante nas nossas vidas.

Me desvencilho dele rapidamente, deixo um beijo no rosto e levanto. Ele é tão lindo que eu preciso que parar ao lado da cama por alguns segundos, tentando gravar aquela imagem na minha mente. A expressão dele deixava uma pergunta clara, a pergunta que ele sempre fazia quando eu era tomada dos meus surtos de energia.

— Tou indo fazer café. — Coloquei meu robe e saí do quarto. — Também vou deixar a Guarda.

— Mas por que? — Ele sentou na cama, um tanto surpreso. Pela voz dele, ele devia estar achando que era brincadeira.

— Onde já se viu, uma estrategista de sangue quente? Como é que eu vou orientar a Guarda se meu pensamento está na cama com você, no seu abraço?

Senti a presença dele, na cozinha, atrás de mim. Coloquei a água pra ferver e fui ajeitar o coador. Ele encostou o corpo imenso no meu, beijou meu pescoço, prendeu meu cabelo em um rabo de cavalo.

— Só por estar ciente desses impulsos, você já é melhor do que a metade da Guarda. Eu vou me sentir menos seguro no palácio se você fizer isso. — Ele fez com que eu me virasse e olhou nos meus olhos. — Deixa o destino fluir. Aproveita esses momentos, se permita sentir e apreciar cada um desses sentimentos... Eles te fazem bem. Nós não vamos trair nenhuma lealdade, não vamos causar a destruição da Cidade dos Sonhos. Somos só duas almas buscando conforto uma na outra. Vai sim chegar o dia em que nós vamos ter que fazer escolhas, mas esse dia ainda demora a chegar.

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