Cyber

Janeiro, 2017.

Realmente não achei que ficaria acordada durante o processo de troca, mas aparentemente é importante estar desperta para checar as reações dos implantes e a conexão das partes.

A carne do meu braço esquerdo foi delicadamente descascada, expondo músculo e nervo. O sedativo me impedia de sentir mais do que um desconforto remoto a medida em que a equipe retirava as camadas de carne cuidadosamente.


Eu observava o processo com uma curiosidade quase doentia. O médico mexendo na minha cabeça só perguntava como eu estava me sentindo.

— E agora? — Ele cutucava alguma coisa no meu cérebro, fazia um barulho distraído, cutucava de novo. — E agora?

Eu tentava responder da maneira mais honesta possível, pelo menos para aquele momento específico da minha vida. Fechei os olhos, suspirei, continuei respondendo às perguntas.

— Mexe os dedos da mão esquerda. — Os delicados cilindros de metal se moveram; um pensamento fugaz foi o gatilho do movimento. Delay mínimo. Tão bom quanto o membro que estava ali antes. Eu sorri. — Bom. Pode falar.

— Falta mais o que da lista? — Perguntei, meu corpo inteiro relaxando contra a cama.

— Você me pediu memória estendida e um módulo de tratamento de grandes fluxos de dados, mas eu tava olhando aqui... Não dá espaço não. Eu vou ter que tirar algo do seu cérebro pra isso.

— O que é que eu vou perder?

— Toda capacidade de sentir. Qualquer sentimento.

— Dá pra colocar um sistema de monitoramento de necessidades básicas?

— Até dá, mas...

— Então pode fazer. — Suspirei e fechei os olhos. O médico, resignado, começou a trabalhar.

***

— Tá sentindo alguma coisa?

— Náusea.

— E agora?

— Nada. — Eu sorri.

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